Texto porJuicy Santos
Santos

Viva a Tropicália!

Encabeçada pelos baianos Gilberto Gil e Caetano Veloso, a Tropicália, a estética cultural que ficou em evidência entre os anos de 1967 e 1968, período em que os festivais da canção ainda traziam um frescor novo para a nossa música popular, volta a tona na mídia com um documentário dirigido por Marcelo Machado, que começa a ser exibido nos cinemas.

tropicalia

O fato é que a Tropicália, enquanto movimento cultural, propunha uma mudança dos padrões vigentes na cultura. O uso de uma estética de cunho moderno, antenada com o que de melhor acontecia no exterior. Mas sem perder a nossa brasilidade. Pelo contrário: nossa nacionalidade era colocada sempre em primeiro plano pelos tropicalistas.

No início, a maior novidade trazida pelo movimento era o uso das guitarras nas gravações e nos shows ao vivo. Caetano Veloso e Gilberto Gil promoveram isso no Festival da Canção da Rede Record em 1967. Gil contou com Os Mutantes como coadjuvantes de luxo em Domingo no Parque, enquanto que Caetano teve a companhia do grupo argentino Beat Boys. Em ambos os casos a aceitação do público foi imediata. Ainda que os setores conservadores atirassem contra, eles conseguiram quebrar o padrão acústico que imperava desde os tempos da chamada era do rádio.

Mas fico receoso de rotular a Tropicália como movimento. Isso sugere algo totalmente diferente do que se fazia na época. E os tropicalistas na verdade misturavam todas as suas influências em um caldeirão musical efervescente. As letras das canções deixam bem claro isso, como em Baby, de Caetano Veloso, que cita a alienada Jovem Guarda, ou mesmo o manifesto oficial, a canção Tropicália, também de autoria de Caetano, que citava Carmen Miranda, Bossa Nova e outras vertentes importantes de nossa música e cultura popular. Tropicália era, na verdade, uma reafirmação de nossa brasilidade, nossos valores. Estava bem longe de uma estética alienante. Mas a postura irreverente dos baianos foi suficiente para incomodar a censura do Governo Militar, que promoveu o exílio de ambos para o exterior.

Tom Zé era talvez o artista que expressava melhor a nova estética, com arranjos inovadores, fora dos padrões convencionais. Mas, ao mesmo tempo, compunha e cantava canções dentro dos mesmos padrões convencionais, como em Se o Caso É Chorar, cujo refrão é com arranjo de samba tradicional.

O mesmo tipo de impressão, aliás, tive ao conhecer melhor o Clube da Esquina, que surgiria na década seguinte, capitaneado por Milton Nascimento e Lô Borges. Curiosamente este também foi rotulado como movimento musical alternativo, quando na verdade era uma continuidade de uma série de tendências musicais que haviam sido absorvidas por Milton e Lô na adolescência.

Creio que tanto os mineiros sócios do Clube como os baianos tropicalistas não se consideravam rebeldes musicais, ainda que em alguns momentos tivessem quebrado alguns tabus culturais. O que se promoveu na época não foi uma alienação musical, mas sim, uma renovação na estética e nos padrões da MPB. Para abrir horizontes, nem sempre é preciso uma ruptura. Também é possível uma mudança de ares apenas mostrando novas formas de manifestar a sua arte, sem se esquecer do seu passado e do presente.

By: Luiz Otero