Texto porNathalia Ilovatte

Amy Winehouse: até este final amargo

Nem todo mundo vira santo quando morre, mas nem por isso tragédias pessoais se tornam engraçadas.

Do momento em que a notícia da morte de Amy Winehouse foi dada na CNN, no Jornal Hoje e em alguns sites internacionais até agora, as redes sociais viraram palco de aspirantes a Rafinha Bastos que acham legal fazer piadas sobre viciados e de gente fazendo pouco caso do fim de “uma maluca que se matou”. A culpa não é da internet e nem das redes sociais, elas só reúnem, amplificam e ajudam a libertar o que as pessoas já são e pensam. E a tragédia de Amy revelou que, para a linda e genial geração Y, fazer algo autodestrutivo e não-condizente com os valores da família doriana torna a morte de uma pessoa menos triste, menos trágica e menos digna de lamentação.


Amy afundou cheirando, fumando crack e bebendo. É verdade. Mas reduzi-la a uma porra-louca viciada que fazia música descartável para outros porra-loucas curtirem na baladinha (e usar isso como motivo pra achar legal a morte dela) pode até ser um comportamento clichê em um tempo em que tudo é simplificado, resumido e superficializado, mas não deixa de ser errado, pra não dizer nojento.

Ver Amy ao vivo no começo do ano me fez entender o que era aquela mulher de voz poderosa e estilo influente que andava entretendo o pessoal defensor dos bons costumes que lê fofocas de celebridades antes de começar a trabalhar. E acho que a imagem dela que foi tomada como verdade é equivocada.

No palco, Amy Winehouse era pequena e frágil. Os dentes estavam feios e os cabelos, falhos. Mas a voz ainda estava lá, poderosa, e o sofrimento também. Ela avacalhou o hit “Rehab”, que levou boa parte daquele público ao Anhembi, e cantou a música de qualquer jeito, fora do ritmo. Mas todas as canções dramáticas e tristes foram apresentadas com uma entrega comovente e tudo o que fez Amy sofrer e compor aquelas músicas voltou à tona ali. E deve ter voltado em todas as outras noites, em todos os outros shows. Ela cantava colocando a dor para fora e até eu, que estava a metros de distância, em um lugar aberto, enorme, e cheio de gente escrota enchendo o saco, pude sentir intensamente. E aí eu descobri que a Amy dos tabloides é bem diferente da Amy da vida real, quem realmente importa.

“Rehab” pode ser uma música divertida e ter impulsionado a carreira da cantora, mas ela não define Amy Winehouse. Alguns artistas estão aí para nos divertir, porque cantam para se divertir, e outros estão aí para nos emocionar, porque cantam para extravasar a dor. Amy foi vendida como alguém do primeiro tipo, mas pertencia ao segundo. E é uma pena que muita gente não tenha tido tempo ou sensibilidade para perceber isso.

Amy resgatou e misturou influências musicais e criou algo só dela. Ela deu o pontapé na porta que abriu passagem para outras cantoras ótimas como Adele, Duffy e Paloma Faith. E influenciou a moda. Se hoje você carrega Ballasox na bolsa ou paga cinquenta reais por uma sapatilha bonita e confortável da Moleca, agradeça à Amy. Se você torra trezentas pilas em um vestido de cintura alta marcada com cinto fino, possivelmente de alguma marca carioca, agradeça à Amy também. Se você passa delineador gatinho e endurece o cabelo com spray fixador no topo da cabeça, ou roda a cidade atrás de bumpits, também seria justo agradecer à Amy.

A morte de Amy é triste e, por mais paradoxal que pareça, chocante. Ela não ter suportado ainda não parece fazer sentido. Talvez porque essa seja a merda da mídia. Quando um assunto vende, ele é esmiuçado à exaustão. Quando todo mundo que consome babados de famosos (só para comentar o quanto essas celebridades são ridículas) deixa de ver graça em um viciado depressivo, outro viciado depressivo é colocado no lugar e outra desgraça pessoal é explorada. E aí parece que quem era notícia ontem agora está bem. Não é algo como “coitada dessa pessoa, alguém precisa ajudá-la”, mas sim “hahaha, gente, olha só que derrotada!”.

Mas a maneira como ela foi usada para vender jornal e a necessidade do ser humano de encontrar outro para apontar as fraquezas que ele também tem já não fazem mais diferença para Amy. Para confirmar as expectativas gerais, ela está morta, e seria minimamente educado se cada um guardasse o alívio mórbido que está sentindo para si e demonstrasse um mínimo de respeito parando de falar bosta. É uma perda. Amy vai fazer falta e é desolador que o fim tenha chegado de maneira tão prematura e trágica.

Pelo talento dela, pelas mudanças culturais que ela promoveu, pelos artistas que ela ainda vai influenciar, caguei para o quanto ela bebeu e deu barraco. Uns drinks a mais e um bafão fora de hora não merecem tanta atenção. Para mim, e acho que para quem mais tiver o bom senso de não reduzir alguém aos defeitos, Amy não vai ser só aquela drogada louca que provocou a própria morte, mas a mulher extremamente sensível e emotiva que, antes de perder, deixou uma marca na música e na moda. Isso é mais importante.

“And I’ll battle untill this bitter finale. Just me, my dignity and this guitar case”


Alguns textos maravilhosos sobre a Amy:

Amy Winehouse e Felicidade (o livro) – “Não vou dizer que ela é o Tim Maia de saias porque, até onde eu sei, o Tim Maia não inspirava pena – as pessoas ficavam putas quando ele saía na metade do show. A Amy não – dá pena ver uma pessoa naquele estado porque, como muito bem dito (em um post que eu procurei horrores pra colocar aqui e não achei mais), aquilo, se não for um pedido de socorro, é uma declaração de incapacidade de lidar com a vida…ou ambos…”

Jornalista que discotecou em show da Amy no Brasil narra a experiência – “Mas o legado de Amy é óbvio: com sua voz resgatou pro mundo a paixão pela música negra de alma, paixão que sempre existiu, mas que ultimamente andava soterrada sob letras materialistas, mulheres plastificadas e homens exibindo seus carrões de luxo. O pop vai sentir falta da emoção verdadeira que ela colocava em suas músicas”.

Amy Winehouse: Back to black (por Gloria Kalil) – “Foi um horror, mas não foi uma surpresa. Exatamente a mesma sensação que tive quando soube da morte de Janis Joplin, com os mesmos 27 anos, há 4 décadas passadas”.

For Amy (por Russell Brand) – “Not all addicts have Amy’s incredible talent. Or Kurt’s or Jimi’s or Janis’s, some people just get the affliction. All we can do is adapt the way we view this condition, not as a crime or a romantic affectation but as a disease that will kill”.