Texto porFlávia Saad
Santos (SP)

Entrevista: Ann Moeller, editora do blog Brasileiras pelo Mundo

Um oceano e quase 10 mil quilômetros separam Santos de Londres, onde mora Ann Moeller.

Para essa santista, que deixou o Brasil no início da década de 1990, as lembranças da cidade envolvem churros com doce de leite, baladas na Zoom e na Lofty e o cheiro da maresia.

Entrevista: Ann Moeller, autora do blog Brasileiras pelo Mundo

Ela é editora do blog Brasileiras Pelo Mundo e também escreve o Amarelinha, o “blog das mamães do Reino Unido”.

Ann concedeu uma entrevista muito legal para o Juicy Santos falando sobre a comunidade de mulheres vivendo fora do país e como elas se encontram na rede.

O que exatamente é o blog Brasileiras pelo Mundo?  

O Brasileiras Pelo Mundo surgiu de uma vontade minha de formar um time de brasileiras com ideias/projetos/trabalhos bacanas e muito a dividir. Como quase todas nós moramos em países diferentes, o blog é uma ótima oportunidade de trocarmos e compartilharmos experiências entre nós e com tantas outras brasileiras mundo afora.

A outra proposta é também divulgar brasileiras que estejam obtendo sucesso nas carreiras, mesmo estando fora do Brasil, assim servindo de inspiração a outras mulheres. Já tenho varias entrevistas agendadas e que serão publicadas em breve, com uma artista plástica, uma roteirista e uma produtora de cinema, que estão entre as profissionais que vão contar um pouco sobre as suas trajetórias no exterior.

Os temas tratados no blog são universais, mas sempre com um viés brasileiro. Essa é a intenção? Qual é o conceito que vocês estabeleceram desde o começo?

Sim, a intenção é que as matérias do blog possam ser lidas por brasileiras indiferente de onde estiverem, incluindo o Brasil, basicamente como uma troca de experiências.

E o Amarelinha, do que ele trata?

O conteúdo é direcionado a famílias com crianças. No começo, a minha intenção era escrever simplesmente para as famílias brasileiras morando no Reino Unido, mas, com o passar do tempo, os leitores do blog foram aumentando e vindo de países diversos, portanto hoje em dia, quando escrevo, penso na mãe brasileira que mora em Londres, mas, também na que esta no Japão e que gosta de ficar sabendo sobre dicas de passeios ou como ajudar as crianças a estudar matemática. Também apoio varias associações e eventos brasileiros que acontecem em Londres, como no caso do I Festival de Cinema Brasileiro Infanto-Juvenil de Londres.

Como foi a sua experiência no exterior? Como e por quê você saiu do Brasil?

Sai do Brasil em 1990 com 18 anos, para morar com os meus avós em Lisboa e terminar a faculdade de Engenharia, que comecei a cursar na FEI, em São Bernardo do Campo. Porém, uns anos depois, comecei a trabalhar com Marketing e resolvi vir morar em Londres para aperfeiçoar o meu inglês e fazer mais alguns cursos. Anos depois me casei, tive filhos (tenho um casal) e como meu marido não é brasileiro, a ideia de voltar foi ficando cada dia mais longe. Hoje digo que apesar de não ser inglesa e ainda falar com sotaque, é aqui que me sinto em casa.

Quais são as principais dificuldades que uma brasileira enfrenta quando vai morar fora?

Depende da situação e da idade da pessoa, já que cada um tem uma história diferente. No meu caso, saí de casa para casa, porque fui morar com os meus avós e minha irmã, que também já estava em Lisboa. A minha adaptação foi mais amena, porque estava com família, mas foi em Londres que a realidade de morar sozinha e não ter absolutamente ninguém que ja me conhecesse bateu à minha porta.

Acredito que determinação e muita força de vontade e de vencer sejam os elementos principais para determinar se a pessoa fica e se torna um imigrante ou se volta para casa. Dificuldades são várias, principalmente se a pessoa não vier preparada financeiramente para um começo (pagar aluguel e escola) e se ainda não falar inglês (no caso da Inglaterra ou EUA, por exemplo). No meu caso, apesar de já falar inglês quando me mudei para Londres, nada me preparou para o dia a dia falando com uma pessoa inglesa, eu entendia 50% e o resto tinha que ser na intuição.

A saudade da família também tem que ser mencionada, o que me levava adiante no começo era pensar no orgulho que estava dando aos meus pais, quando passava em mais um exame ou conseguia um emprego melhor. Apesar de tudo, recomendo a todas as pessoas que tenham vontade de morar fora. A experiência ficara com você eternamente e as lembranças e obstáculos do começo serão sempre lembrados com orgulho, por terem sido superados.

Agora em relação a Santos: com quê frequência você volta para a cidade? Do que você mais sente falta por aqui? 

Infelizmente, como já perdi quase todos da minha família, não vou mais a Santos frequentemente. Nas poucas vezes que vou, (a última faz 3 anos e meio), tento encontrar amigos de infância, que com muita alegria, posso dizer que ainda mantenho contato com vários. E claro, que não deixo de comer muito churros com doce de leite até acabar a lata, caldo de cana, pastel na feira da Bancários (eu sou do canal 7) e muita tapioca com coco (eterno amor).

Mesmo depois de 22 anos morando fora, é incrível como os cheiros ainda são tão reais quando estou em Santos, as vozes dos feirantes gritando, o cheiro do óleo do pastel fritando, até o cheiro de maresia, me transportam para uma época que com certeza posso dizer que fui muito feliz. Tive uma adolescência, na época de 80, sem tanta violência como hoje em dia, podíamos voltar para a casa andando pelo calcadão de madrugada e ficar na porta da Lofty e da Zoom esperando algum pai vir nos buscar. Muita saudade!

Fico surpresa e ao mesmo tempo triste em acompanhar as notícias sobre o desenvolvimento da cidade, se é que podemos chamar assim. Quando falo com alguém daí, ouço sempre a mesma frase: “Santos não é mais a mesma cidade, está se tornando uma selva de pedra, com espigões por toda a parte”.

Por favor, políticos cegos pelo poder e ganância, não destruam uma cidade que já foi considerada a melhor qualidade de vida do Brasil. Deixem Santos respirar! Deixem que a brisa do mar chegue até as casas distantes na ilha e, acima de tudo, não destruam os lindos casarões, que fazem parte da historia da cidade.

Santos estará sempre dentro do meu coração e as lembranças que trago comigo de uma época impar. Santos, saudade de ti!