Entrevista com Renata Carvalho

Renata Carvalho tem 33 anos, é atriz, diretora teatral, maquiadora, agente de saúde e travesti.

A Rê é e uma das nossas musas da SANSEX e do Movimento Teatral da Baixada Santista.

Ela também está na programação da Mostra de Cinema e da Cultura da Diversidade de Santos com seu monólogo “Dentro de mim mora outra”.

Vai ser no próximo sábado 31 de maio, no Centro Cultural Telma de Souza na Zona Noroeste. Vocês têm que assistir esse trabalho, que é de uma coragem impar. O espetáculo conta a historia de como ela se tornou Renata.

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Suas duvidas, dores, conflitos, medos, fantasmas, estão todos ali, escancarados em cena, pra quem quiser ver. É um dos trabalhos mais corajosos que vi em teatro nos últimos anos e merece ser assistido por todos.

Quando eu penso na Re, só me vem uma palavra na cabeça: VENCEDORA.

Eu havia escrito um texto enorme aqui, cheguei até a me emocionar. Mas eu tenho certeza de que não há palavra escrita que possa lhe dar uma noção da historia de vida dela. A melhor maneira de você conhecer essa historia é assistindo ao seu espetáculo, que considero um dos trabalhos mais corajosos produzidos na Baixada Santista. Ali, não tem personagem. É a Renata de peito aberto, enfrentando seus demônios, dilacerando sua intimidade, contando segredos, de corpo e alma. Esse e o barato. Suas duvidas, dores, conflitos, medos, fantasmas, estão todos ali, escancarados em cena, pra quem quiser ver.

Renata deu uma entrevista exclusiva para o Juicy Santos.

Como o teatro entrou em sua vida?

Comecei no Teatro em 1996 em um curso de iniciação teatral com Walter Rodrigues, no teatro municipal de Santos desde então não parei mais. Estar em cena é um momento efêmero. A personagem, as conversas, as descobertas, as trocas, o frio na barriga, a vontade de ir ao banheiro. Teatro é mágico, é lúdico, é transformador, transformou a minha vida. Eu respiro teatro. E sem ele não sei viver.

Ha quantos anos você e atriz? Quais seus trabalhos mais marcantes?

Sou atriz há 18 anos. Dentre os trabalhos os trabalhos lembro-me de dois momentos especiais: em 1999, atuei em “A Casa de Bernarda Alba” do Lorca com direção do Gilson de Mello Barros pelo grupo TEP (Teatro Experimental de Pesquisas), este espetáculo foi um divisor de águas na minha carreira. Em 2012, atuei como atriz convidada da Encenação de São Vicente e contracenei com Matheus Nachtergaele. Mas acredito que meu momento mais expressivo como atriz é o de hoje, com os dois espetáculos que estou em cartaz.

Você também e diretora teatral e tem a sua própria companhia de teatro, fale um pouco a respeito do seu trabalho como diretora e do histórico do grupo.

Em 2002 fundei com mais duas amigas (Ludmilla Correa e Antoniela Couto Lourenço) a Cia. Ohm de Teatro que este ano completa 12 anos. Fiquei anos sem atuar, apenas dirigindo. Dirigi “Pelo Buraco da Fechadura”, baseado nos contos de “A Vida como ela é”…” Quando as maquinas param”, de Plínio Marcos entre outros. E em comemoração aos 10 anos da Cia montamos “Dentro de Mim mora outra”, com direção de Maria Tornatore.

Você está em cartaz com o monólogo Dentro de mim mora outra, que conta a história de sua transformação. Como surgiu a ideia e como tem sido a aceitação do público?

Estreamos “Dentro de mim mora outra” em 2012. Expor minha intimidade, minha vida para desconhecidos não é uma tarefa fácil. A ideia surgiu dentro de um outro espetáculo que fazia como atriz, com a mesma diretora, chamado “Nossa vida como ela é”, baseada nos contos do Nelson Rodrigues. Neste trabalho, percebi que as pessoas tinham curiosidade a respeito da vida de Travestis e Transexuais e pensei que isso daria uma boa peça. Convidei amigos e embarcamos nessa viagem. A transformação, a superação, a libertação e a coragem permeiam esta história em que não existem vilões, nem mocinhas. Existe apenas uma história humana. Falo como vivência e com propriedade porque sinto na carne. As reações são diversas, o público fica livre pra dançar, beber, fumar… Mas nunca deixo de colocar o dedo na ferida, tirar as paredes, arrancar as máscaras. Este espetáculo foi uma grande terapia, eu me revisitei, olhei pra dentro, fez olhar para meu eu mais obscuro, coloquei pra fora o que lutei anos para perder. Me Transformou. Me Libertou. Com isso vou apresentar agora dentro da 3º Sansex (Mostra de cinema de da cultura da diversidade sexual) e em seguida vou reformular o espetáculo. Pois ele precisa transformar-se como a atriz e a vida.

Além do teatro, você também e cabeleireira e maquiadora, como vc se divide pra dar conta de tudo?

Ai, gente! Minha vida é uma loucura! De terça a sábado, trabalho no Yan Rodrigues Professional Hair, como cabelereira. Agradeço a paciência e compreensão do meu chefe que é maravilhoso comigo e super entende e apóia minha carreira artistica. Mas cuidar da beleza e ter o poder da transformação nas mãos também é encantador.

Fale-nos um pouco do seu trabalho como agente de prevenção para a secretaria de saúde. Você acha que a Baixada Santista evoluiu no quesito homofobia?

Em 2007 através de uma capacitação passei em quinto lugar e virei agente de prevenção em Santos, colocando-me em contato direto aos meus pares. Transformando-me em militante LGBT, focando na questão das travestis e transexuais, participando da 1 Conferencia Nacional LGBT em Brasília em 2008, algumas cidades dentro do estado de SP, ate Recife e por ultimo em Curitiba, no qual ainda apresentei meu monologo para uma plateia de Tts, foi único e emocionante. Esclarecer, auxiliar, ajudar, orientar ou apenas ser uma boa ouvinte já é um dos trabalhos de um agente de prevenção. Diminuir este epidemia de doenças sexualmente transmissíveis é um trabalho que precisa ser continuo e indispensável.

Na questão do preconceito da HomoLesboTransFOBIA aqui na Baixada Santista é como em qualquer lugar, o preconceito é velado, escondido, enrustido. As pessoas não assumem, mas tem. Por que as pessoas se preocupam tanto com o que os outros fazem entre quatro paredes?

Muitas travestis vivem na rua e reclamam da falta de oportunidade no mercado de trabalho. Você contrariou todas as estatísticas e leva uma vida comum. Que mensagem você deixaria pra essas meninas que vivem em situação de vulnerabilidade?

O fato existe e não pode ser ignorado. Apontar, xingar, excluir é fácil. Mas vocês tem ideia das histórias daquelas pessoas? Como foram parar nas ruas? Não sou contra a prostituição, aliás cada um faz o que bem entender com seu corpo. O que não se pode aceitar é que seja a ÚNICA opção. O preconceito nessa hora é esfregado na nossa cara. Quantas secretárias, atendentes, vendedoras travestis e transexuais vocês veem? Pré-conceito puro. Mais ainda acho que o preconceito mais doloroso, mais difícil é o que vem de dentro de casa. Quando as pessoas que mais nos amam nos dão as costas. O que fazer?

Lutar, enfrentar o medo, acreditar em você, e faça sempre o melhor. Viva. Liberte-se. Seja você mesmo.

Você também esta em cartaz como atriz no espetáculo Projeto Bispo. Como tem sido essa experiência?

Estou vivendo um momento bem especial como atriz. O Projeto Bispo também me fez revisitar, me libertar de algumas amarras que tinha. Entreguei-me a este projeto de corpo e alma. Falar dos loucos de hoje, através de uma historia singular do Bispo, usando como cenografia a arquitetura do Centro Historico de Santos e poder dialogar com este espaço, este tema e a cabeça inquietante do Kadu Veríssimo diretor do espetáculo é um desafio transformador. Um dos espetáculos que mais me tira do eixo, que me faz pensar, trocar, dialogar, olhar, sentir o outro, perceber o outro, tudo isso numa época que nem nos conhecemos é enriquecedor como cidadã e artista. Hoje entendo melhor o verdadeiro papel do Artista.