Texto porLuiz Fernando Almeida

E se chamássemos apenas de casamento? Casamento gay em Santos

Muito tem se falado a respeito do casamento civil igualitário, mas na verdade, nem todo mundo entende direito como as coisas funcionam. Escolhi esse tema como estreia da minha coluna semanal aqui no Juicy.

casamento gay em santos

Pensando em esclarecer algumas duvidas, como uma forma de tentar ajudar quem está indeciso ou não sabe como fazer para dar esse passo tão importante na vida, escrevi esse post.

Vamos do começo?

Em 1995, o PL 1151 da então Deputada Federal – hoje Ministra da Cultura – Marta Suplicy propunha a disciplina da união estável entre pessoas do mesmo sexo.

A partir da decisão do STF em 05 de maio de 2011, já é possível a união civil entre pessoas do mesmo sexo, mas para tanto, as pessoas interessadas deverão litigar nos cartórios de suas cidades e, em caso de indeferimento, terão de recorrer às instâncias jurídicas superiores para garantir esse direito. Embora os efeitos da decisão do STF tenham sido positivos até o momento, culturalmente grande parte da sociedade não entende como sendo o direito ao casamento.

Não havendo essa compreensão, não avançamos para o reconhecimento de cidadania plena.

Inegavelmente, entre a decisão do STF e o reconhecimento social dos direitos de cidadania da população LGBTT, há uma brecha que necessita ser reparada pela legalização constitucional do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Por isso foi criado pelo deputado Jean Wyllys um projeto de emenda constitucional que visa fazer algumas alterações no artigo 226º da Constituição Federal.

Ele lançou este ano a campanha Casamento Civil Igualitário que conta com o apoio de inúmeras personalidades brasileiras: Caetano Veloso, Arlete Sales, Chico Buarque, Sandra de Sá, entre outros, reafirmaram seu engajamento na causa.

Diversos vídeos foram postados no Youtube com depoimento de artistas consagrados dando seu apoio publicamente à causa. Veja o do ator Alexandre Nero:

Até ai tudo bem vocês devem estar pensando ne? Mas e aqui na região? Como as coisas funcionam?

Conversamos com a Dra. Rosângela Novaes da OAB/Diversidade de Santos que é, sem duvida, um dos grandes nomes na luta dos direitos homossexuais aqui em nossa região.

Juicy: Você acredita que o casamento civil igualitário pode ser uma forma de combater a homofobia e diminuir o preconceito?

Dra. Rosângela: Acredito que seria mais uma ferramenta no combate à homofobia. O casal homo teria os mesmos direitos e deveres de um casal hétero, nem mais, nem menos.

A sociedade, com o passar do tempo, se acostumaria, assim como foi com o movimento feminista.

Não está muito longe o tempo que a mulher não tinha autonomia de vontade, sequer tinha direito ao voto. Quando solteira, devia obediência aos pais e, após o casamento, se submetia à autoridade do marido. Desquitada era como uma portadora de doença contagiosa, ninguém queria sua companhia.

Juicy: E a escravidão dos negros? Guardada as devidas proporções, também tiveram que lutar pela igualdade de direitos.

Dra. Rosângela: O que temos hoje? Uma mulher na Presidência da República e um negro na presidência da mais alta Corte de Justiça do país, o Supremo Tribunal Federal – STF.

Todavia, a ferramenta mais eficaz no combate à homofobia é a educação. Porque ninguém nasce homofóbico, a homofobia é uma construção que começa em casa e se aperfeiçoa na escola. É um problema cultural que tem origem no machismo.

Em que pese termos a Constituição Federal de 1988 afirmando que somos todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, vivemos numa sociedade heteronormativa, onde as leis foram criadas para disciplinar os relacionamentos heterossexuais. A população LGBTT sempre teve como principal característica a invisibilidade. Nunca existiu para o Legislador. Tanto é assim, que a única lei que menciona a família homoafetiva é a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que criminaliza e pune a violência doméstica, protegendo a mulher independentemente da sua orientação sexual.

A educação e a criminalização da homofobia se fazem necessárias. Um ótimo exemplo disso é a criminalização do racismo.

Juicy: Qual a importância do casamento civil igualitário?

Dra. Rosângela: A importância reside na igualdade de direitos, na liberdade para buscar a felicidade além do modelo convencional de família, imposto por uma sociedade hierárquica, patriarcal e patrimonial. A verdadeira família é aquela constituída pelo vínculo do afeto.

Os pares homossexuais, enquanto casados, poderão construir um patrimônio sem receio de perdê-lo no caso de falecimento ou separação. Assim como os heterossexuais, terão a oportunidade de escolher o regime de bens através do pacto antenupcial. Alcançando, enfim, a segurança jurídica nas diversas áreas do direito (família, sucessórios, previdenciários, trabalhista, tributário, securitários, inclusive penal).

Juicy: Na baixada Santista, já houve casos de juízes impedindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, como andam as coisas atualmente?

Dra. Rosângela: Sim, inclusive aqui na cidade de Santos. Mas houve recurso, perante a Corregedoria Geral de Justiça, que deu provimento, autorizando a continuidade do processo de habilitação para o casamento direto.

Ocorre que, em 13 de agosto de 2012, o Juiz Corregedor Permanente dos Cartórios de Registro Civil da Comarca de Santos/SP, Doutor Frederico dos Santos Messias, expediu a Portaria nº 02/2012, autorizando os Cartórios de Registro Civil da Comarca de Santos a fazer a conversão da União Estável Homoafetiva em Casamento e, também, iniciar o processo de habilitação para o casamento de Relacionamentos homoafetivos, independentemente da comprovação de união Estável anterior.

Concluindo: Os procedimentos deverão observar, tanto quanto possível, as mesmas exigências para a conversão e casamento de relacionamentos heteroafetivos.

dra rosangela oab santos

Imagem cedida pelo blog It Bag

Juicy: Existe muita procura na OAB Diversidade de casais dispostos a oficializar a união?

Dra. Rosângela: A procura por informações acerca dos direitos começou com a decisão do STF, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, equiparando-a a união estável para fins e efeitos jurídicos. Logo no mês seguinte, ocorreram duas conversões de união estável homoafetiva em casamento civil. A primeira em Jacareí/SP e outra em Brasília. Assim foi “pipocando” pedidos de conversão pelo país, sendo a maioria deles atendidos.

Em Santos, depois de expedida a Portaria 02/2012, mencionada acima, os casais homossexuais têm nos procurado para obter informações acerca da regularização da situação. Muitos desses casais já vivem juntos, em união estável, alguns com escritura, mas a maioria informalmente.

O casamento civil efetivará direitos, deveres e responsabilidades, os mesmos conferidos aos casais heterossexuais, nem mais nem menos.

Juicy: Você acha que a Baixada Santista aceita bem o casamento entre pessoas do mesmo sexo?

Dra. Rosângela: Tem-se que Santos é uma cidade conservadora. As pessoas afirmam não ter preconceitos com relação à orientação sexual. A maioria chega a dizer “até tenho amigos homossexuais”, o que denota preconceito.

O ideal era que as pessoas se respeitassem mutuamente, como elas são com suas diferenças. Não é preciso aceitar, basta respeitar. O respeito é fundamental em qualquer relação.

A sexualidade não é uma opção. Ninguém escolhe ser homo ou heterossexual, o indivíduo apenas se descobre nesta condição. E caso pudesse escolher, com certeza escolheria ser heterossexual, pois, como já disse, vivemos numa sociedade heteronormativa.

Contudo, aceitar é uma questão de tempo e evolução dos costumes. Nas palavras da Ministra Ellen Gracie: “Uma sociedade decente é uma sociedade que não humilha seus integrantes.” (Julgamento do STF – ADI 4277/09 e ADPF 132/08, 05/05/2011, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar).

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Mas tem novidade rolando na cidade minha gente…

A cidade de Santos realiza, pela primeira vez na Baixada Santista, o casamento civil de três casais de homossexuais. A Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção de Santos realiza o evento no dia 14 de dezembro, às 19h30, na Praça José Bonifácio, 55, no Centro, em Santos.

Ailton Cardozo da Silva Jr e José Lucimar dos Santos Rodrigues; Ângelo Max Cavalcanti da Silva e Gregório José da Silva e Rosa Maria Gonzaga Arouche e Antonieta Cavalcante de Sousa vão dizer o “sim” e terão cerimônia e festa completas com direito à decoração, bolo, doces, bebidas, fotografia, som, e tudo mais.

Já pode começar a chorar produção?

O evento conta com os seguintes patrocinadores: Tribal Club (bebidas e garçons); Ariê Moraes (Sonorização); Equipe do Curta Santos (Making off); Renata Ventura Cakes (bolo de casamento); Ana Domingues (Bem-casados); Ótica Mundial – Ângelo (Fotografia) e OAB/Santos (Decoração).

Eu fico muito feliz em saber que os nossos direitos estão começando a valer neste país e em nossa cidade.

Muitos gays não levam isso a sério, mas é importante que toda a comunidade LGBTT – e não estou falando apenas da militância ou de quem por opção ou falta de, vive no gueto – comece a lutar pelos seus direitos, pois só assim, teremos uma sociedade mais justa.

Cada um sabe a sua limitação, e sua disponibilidade pra isso. O que é inaceitável é abaixar a cabeça e se esconder. Vamos começar a refletir sobre o assunto?

Volto então para o titulo deste post: E se chamássemos o casamento gay apenas de casamento? Não seria tudo mais simples? Fica ai um pensamento…