Texto porLudmilla Rossi
Santos

Eduardo Ravasini: uma entrevista e muitas lições

Conheci Eduardo Ravasini em 2011, durante uma reunião de trabalho. É bem difícil não se interessar por sua história e por conhecê-la um pouco, achei legal dividí-la com os leitores do Juicy Santos. Pedi ao Eduardo que respondesse à algumas perguntas sobre sua vida, sobre inclusão, suas atividades e relação com a cidade. Enjoy!

Juicy Santos: Onde e quando você nasceu?
Eduardo Ravasini: Eu nasci em 3 de fevereiro de 1978 na cidade de São Paulo, e vim para Santos quando tinha cinco anos. Portanto, me considero santista, pois vivi toda minha vida escolar e acadêmica aqui.

Juicy Santos: Como você notou que possuía características diferentes da maior parte das pessoas? Como foi esse processo?
ER – Quando se é criança, a gente não tem muita noção disso. Brinca normalmente, vai à praia, se diverte etc. A noção real de que se é diferente vem junto com a puberdade. Na pré-adolescência, nós começamos a nos preocupar com o que os outros pensam da gente, que visão eles têm de nós, e começamos a nos comparar com os outros e com o mundo que nos rodeia. A partir daí sim, é que tomamos consciência da nossa condição de deficiente. Pelo menos, foi assim comigo. Com isso, a adolescência que já é difícil para a grande maioria das pessoas, para um deficiente se torna mais ainda. Eu saía, ia a festas, barzinhos e participava das excursões da escola. Eu tentava ao máximo levar uma vida normal. Mas doía, por exemplo, não poder fazer certas coisas como a maioria dos jovens. Não ter oportunidades de fazer certos passeios, ou de tocar violão, de ter uma banda, de poder andar sozinho plenamente, de poder viajar sem os pais, e posteriormente, de poder dirigir um carro.

Eduardo Ravasini

Juicy Santos: Você dá palestras sobre superação e inclusão. Quando e como decidiu que levaria essa missão adiante?
ER – Sou palestrante a cerca de cinco anos. Meus colegas de trabalho, na época, sempre me estimularam e me diziam que eu tinha uma história de vida muito rica e que devia compartilha-la com as outras pessoas. Pois isto ajudaria mais pessoas a se conscientizarem a respeito de inclusão e de suas próprias vidas. Então eu fui amadurecendo essa ideia. No fundo, eu tinha essa vontade, pois via os palestrantes que davam capacitação nas vivências da ACMD (Associação Comunidade de Mãos Dadas – ONG na qual trabalhei durante oito anos) e achava esse tipo de tarefa muito interessante. Não tenho dúvidas de que eles foram meus grandes inspiradores. Mas, tudo começou de fato, por um convite da Secretária Municipal de Educação de Santos (SEDUC). Pela primeira vez, em outubro de 2007, fui convidado para palestrar na Semana Municipal de Educação Paulo Freire.

Juicy Santos: Mesmo com algumas dificuldades você se formou em jornalismo. Como foram seus anos na escola e na universidade?
ER – Cursei toda a minha vida escolar no Colégio do Carmo, em Santos. Tenho certeza de que isso foi fundamental para me dar a segurança e a base para as próximas fases da minha vida. O Colégio do Carmo era mantido pela família Smolka, que tem uma visão de vanguarda na região a respeito de educação relacionada com a inclusão. Você pode imaginar o quanto era inovador, a cerca de 30 anos atrás, ter na escola deficientes incluídos no ensino regular. E não era só eu, havia outros. Além disso, classes específicas para deficientes auditivos. Aconteceu tudo realmente como devia ocorrer, e tenho muita gratidão a todos os meus diretores, professores e amigos. Lembro que participei de excursões utilizando cadeira de rodas e isso só foi possível graças ao empenho de meus amigos que faziam questão que eu tivesse presente. Também, com eles, fui a shoppings e a teatros em São Paulo, e de vez em quando eu precisava ser carregado no colo, mas como já falei, quando se é jovem acaba virando tudo farra. Atualmente, retomei contato com alguns deles pelas redes sociais e está sendo muito bom.

Fiz Jornalismo na Unisantos. Tive muito apoio dos professores e colegas. A área de comunicação social requer algumas atividades fora do ambiente acadêmico, como por exemplo, a realização de entrevistas. Nesse sentido, tive o apoio específico de meu pai, que me acompanhava nessas tarefas, inclusive estando presente em algumas disciplinas e atividades práticas. Também tive apoio com relação à digitação dos textos, pois naquela época (há mais de 10 anos) os programas de acessibilidade para os deficientes visuais ainda estavam iniciando e eu não tinha prática.
Um lado mais complicado foi o fato de que quando fiz faculdade, o Campus da Comunicação da Unisantos ainda era no bairro da Pompéia, que não tinha acessibilidade plena. Ou seja, havia elevador, mas mesmo assim diariamente eu tinha que descer ou subir pequenas escadas. Eram cerca de dez degraus apenas, mas gerava um pouco de transtorno. Nesse sentido, pude contar com total auxílio de meus colegas de classe e professores. Infelizmente, acho que, naquela fase, a cultura da inclusão ainda não estava completamente consolidada na Universidade.

Juicy Santos: Você é autor de algumas frases bem interessantes. Entre elas a “É fácil notar: sou um homem de visão (apesar da alta miopia). E, que sempre corro atrás dos meus objetivos (apesar das muletas). Dá para alguém aí, por favor, me dizer, onde fica mesmo o limite – pois foi muito difícil, mas fui obrigado a esquecer…”. Você realmente acorda diariamente com esse empenho de motivação?
ER – É claro que tenho meus momentos de tristeza, como todo mundo. Sou um cara comum, de classe média, meus pais são separados, sou o mais velho de uma família de três irmãos, eu também me casei e separei. O que quero dizer com isso, é que além da minha deficiência, tenho os mesmos desafios da maioria das pessoas. Tenho dores e frustrações como todo mundo. Mas, ao longo da vida fui percebendo, pelas coisas que passei, que por mais que possa soar estranho, a felicidade tem seu lado racional. Vou explicar: quando começo a me sentir triste, lembro que hoje em dia eu tenho muito mais qualidade de vida do que quando criança. Pois durante toda a minha infância e pré-adolescência fiz cinco cirurgias, dez anos ininterruptos de fisioterapia e uma série de tratamentos. Portanto, como eu já escrevi em um de meus poemas: “Felicidade é estar satisfeito com aquilo que somos e temos”. Hoje estou mais satisfeito do que eu era antes, logo me sinto mais feliz, pois conquistei muito daquilo que eu almejava, como pessoa e como profissional. Considero que alcançar a felicidade é um exercício diário. É claro que os pensamentos negativos vêm à nossa cabeça, porém devemos nos policiar e não se entregar a eles. É um exercício difícil, mas necessário. Devemos buscar andar com energia positiva. Não tem outro jeito.

Juicy Santos: É verdade que você criou um canal no YouTube com suas poesias?
ER – Sim, criamos em fevereiro deste ano. E, estou muito feliz porque em apenas dez meses ultrapassamos 1.600 visualizações. Lá, é possível encontrar poemas sobre amor, relacionamento entre pais e filhos, amizade, relações casuais, ciúme, separação – além de poemas que tratam de paradigmas sociais, como preconceito e angústias da vida moderna etc. Outro fato bacana é que também está disponível no meu canal, um vídeo que fiz sobre a minha participação, como palestrante, num congresso de inclusão em Viena, na Áustria. Foi incrível! Ocorreu no ano passado e foi a minha primeira viagem internacional.

Ficaria bem feliz se um dia os meus poemas fossem usados nas escolas como um dos vários materiais de apoio pedagógico. Acho bem legal a escola abordar esses temas e também cidadania. E, o fato de serem vídeos, terem música e imagens bonitas e estar disponível na internet, pode aproximar os jovens de temas tão importantes, e resgatar o interesse deles pela leitura. Pois a poesia é um texto curto que não cansa e diz muito à mente e ao coração.

Juicy Santos: Quais são os lugares que você mais gosta de frequentar em Santos?
ER – Eu nunca vou à praia. Gosto mesmo de um barzinho, pizzaria ou cinema. O bom mesmo é estar em contato com gente interessante e fazer novas amizades.

Juicy Santos: Qual sua relação com a cidade? E como Santos é da perspectiva de quem anda de muletas ou é cadeirante?
ER – Gosto muito de Santos. Antigamente eu ia muito a São Paulo por causa dos tratamentos que fiz. Acho uma metrópole interessante. Tem todo o seu lado cultural e importância para o País. Mas gosto mesmo é de morar em Santos. Aqui é mais arborizado, e as pessoas são um pouco mais próximas. O legal é que somos uma cidade de médio porte. Isso quer dizer que temos algumas características de cidade grande, mas também preservamos o lado bom de uma cidade menor. Sempre digo que a felicidade mora no meio termo e na ponderação. Nem tanto lá, nem tanto cá.

Do ponto de vista da acessibilidade, os lugares em Santos são razoáveis, para quem anda de muletas, pelo menos. Mas, ainda há muito que melhorar. Outro dia, andei a pé na calçada por menos de uma quadra, próximo ao canal 4, e são notórios os buracos e desníveis. Pode até soar estranho, mas além do acesso, lixo, fezes de animais, papéis ou folhas de árvores na calçada atrapalham muito a vida de quem anda de muleta ou cadeira de rodas. Além do mais, não devemos pensar em apenas nós mesmos. Quando se fala de acessibilidade, é preciso ampliar o leque e a visão de mundo. Faço questão de lembrar de outras ferramentas de acessibilidade como informativos de escrita em braille, língua brasileira de sinais, e linguagem clara e simplificada para os deficientes intelectuais. Estas são apenas algumas de tantas maneiras de se tornar uma cidade acessível para os deficientes. Santos, durante vários anos, já foi considerada referência nacional nesse assunto. Porém, agora acho que estamos atrás, há muito que melhorar. Precisamos lembrar também que nosso município é considerado cidade dos idosos, o que tem tudo a ver com acessibilidade. Pois não é só o deficiente que se utiliza desses instrumentos, mas também a terceira idade, as mulheres grávidas, os obesos, as crianças etc. Esse conceito amplo é o que chamamos de acessibilidade universal.

Juicy Santos: O que é um dia ruim para o Eduardo Ravasini?
ER – Um dia ruim é quando há algum tipo de conflito ou discussão na minha família. Ou também quando me sinto em alguns momentos sozinho, por não estar namorando atualmente, ou ainda quando tenho uma expectativa profissional em algum setor que acaba não se cumprindo. Como disse antes, sou uma pessoa comum que acaba sofrendo pelas mesmas razões dos demais.

Juicy Santos: Que conselhos você dá para quem vive reclamando muito da vida?
ER – Digo nas minhas palestras que a gente tem que se habituar a dar valor às coisas simples. Por exemplo, o fato de poder acordar todas as manhãs, e enxergar perfeitamente tudo que está a sua volta. Poder levantar da cama e andar sem auxílio, além de poder escutar uma boa música, conversar com os outros e entender o mundo que nos rodeia. Acho que ainda há muitas pessoas que não se tocaram disso. O fato é que cada dia, com saúde, já é um bom começo e um verdadeiro presente da vida. É esse tipo de conteúdo e de consciência que compartilho.

Juicy Santos: Alguma consideração final?
ER – Gostaria de agradecer ao Juicy Santos por essa brilhante oportunidade de compartilhar um pouco mais sobre mim. Para finalizar gostaria de divulgar o meu site para quem quiser entrar em contato: www.eduravasini.com.br. E também dizer que estou disponível para instituições e empresas que queiram fazer, ainda este ano, eventos de encerramento para seus parceiros e colaboradores. Acredito que uma palestra motivacional e de sensibilização pode servir para confraternizar as pessoas e ainda encerrar o ano levando uma mensagem positiva e valores humanos.