Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos

Elas são o futebol feminino em Santos e têm um recado para te dar

“Já que você gosta tanto assim, me fala a escalação do Santos de 1981!”.

Mayra Ignácio nasceu em 1996, mas essa é uma pergunta recorrente sempre que admite ser santista fanática. E, mais do que isso, quando mostra que entende de futebol. É assim desde que deixou ser uma ‘menininha levada para o estádio pelo pai’: seu amor pelo esporte não é mais fofo, e sim desacreditado.

Há cerca de dois anos, Gabriela Brino passou a frequentar o ambiente em que Mayra pisa desde os tempos que tinha medo dos fogos de artifício. Diferentemente da torcedora, as idas da repórter ao Estádio Urbano Caldeira, popularmente conhecido como Vila Belmiro, são motivadas pelo trabalho. Mas uma coisa não muda: sua capacidade também sofre questionamentos o tempo todo.

Ambas sofrem por serem mulheres em um ambiente tido como masculino.

Imagem: Acervo pessoa/Mayra Ignácio

A verdade é que o futebol feminino em Santos não é uma novidade como a Copa do Mundo Feminina ganhar transmissão ao vivo em rede nacional na Globo. Pelo contrário, elas jogam por aqui desde 1997 e, inclusive, são responsáveis pelos dois maiores públicos da Vila nos últimos anos – foram 15 mil torcedores em 2017 e 14 mil em 2018, em finais de campeonato.

Futebol feminino em Santos: das Sereias da Vila ao rachão

Quando a Seleção Brasileira entrar no Stade du Hainaut (em Valenciennes, França) na terça-feira (18 de junho) para encarar a Itália, uma parte das jogadoras em campo também já foram frequentadoras da Vila Belmiro. Isso porque, das 23 jogadoras convocadas, oito já atuaram como Sereias da Vila:

  • Bia Zaneratto (meia)
  • Cristiane (atacante)
  • Érika (zagueira)
  • Formiga (meia)
  • Marta (atacante)
  • Poliana (lateral-direita)
  • Tamires (lateral-esquerda)
  • Tayla (zagueira)

juicysantos.com.br - Futebol feminino em SantosImagem: Reprodução

Além disso, a lista de pratas da casa também tem a Kathellen, que apesar de ter nascido em Santos, no mesmo ano que as Sereias entraram em campo pela primeira vez, nunca atuou no time.

A zagueira tem 23 anos e fez sua carreira no futebol internacional desde muito jovem. Quando arrumou as malas com destinos aos Estados Unidos, para estudar e jogar futebol, o time santista ainda não era uma referência nacional.

A ascensão das sereias

Antes disso, vamos à história da origem das Sereias. Primeiramente, em 1997, o clube montou o time. Isso aconteceu quando rolou o primeiro campeonato estadual feminino, organizado pela Federação Paulista de Futebol. Aliás, foi também nesse ano que a equipe conquistou o primeiro prêmio: ficaram com a prata após perder para o São Paulo, que tinha no elenco Formiga e outras craques.

A primeira taça veio alguns anos depois, em 2000. Desde então, a equipe já recebeu jogadoras como, por exemplo, a camisa 10 da Seleção Australiana, Joye Peters e as norte-americanas Caitlin Fisher e Lori Lindsei.

Em 2007, elas passaram a ser um dos melhores times brasileiros no futebol feminino.

“Em 2010, eu assisti muitos jogos das meninas. Foi o ano que a Marta estava no time e elas eram invencíveis”, comenta Mayra. “Mas admito que nos últimos tempos tenho assistido menos do que gostaria. Os jogos das meninas são em dias e horários muito alternativos, é muito difícil de acompanhar”.

De fato, grande parte dos jogos acontecem em dias de semana e em horário comercial. O que impossibilita uma arquibancada lotada, como acontece nos jogos decisivos que são em finais de semana.

juicysantos.com.br - Futebol feminino em SantosImagem: Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC

De acordo com a assessoria do time, isso é reflexo da falta de incentivo e grandes premiações das federações de futebol e também da baixa procura de patrocinadores para a equipe. Para ficar mais fácil entender a discrepância, vamos a um exemplo. A equipe que vencer a Copa do Mundo de futebol feminino levará para casa US$ 30 milhões. No ano passado, o prêmio dos homens foi de US$ 400 milhões.

A diferença na procura comercial é tão grande que, em 2012, o time chegou a ser fechado. Mas, elas voltaram com tudo em 2015 e não pararam mais.

Ainda são poucas oportunidades para elas

Apesar dos diversos troféus acumulados pelas meninas do Santos Futebol Clube, se tornar uma jogadora por aqui ainda não é simples. Aliás, você sabe quais foram os últimos prêmios das meninas?

“Nesses dois anos de setorismo cobrindo o Santos, não tive a oportunidade de cobrir jogos femininos com a mesma demanda do masculino. Fiz algo superficial, como uma nota simples de registro, infelizmente”, comenta Gabriela.

Isso mostra que elas dificilmente se tornam manchetes dos jornais esportivos. No entanto, ainda assim, inspiram meninas a se aventurarem no futebol. E aí nasce uma missão um pouco complicada: encontrar uma escolinha de futebol dedicada às meninas em Santos.

Imagem: Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC

No Santos FC, por exemplo, não existe um time de base. A equipe conta apenas com um sub-17 de meninas, criado em 2018 em em parceria com o projeto Meninas Em Campo. Mas a equipe fica no Butantã, em São Paulo. Apenas três clubes têm aulas de futebol feminino em Santos: o Brasil, Boca Juniors e a Escolinha de Futsal Feminino Fênix.

Esse fut é só pra elas

No Brasil Futebol Clube, a equipe surgiu a partir de uma parceria com a Fut Delas, escola de futebol feminino em Santos. O projeto é da Luana Paula Silva e nasceu em 2016.

“Desde a as aulas de educação física eu sonhava em ser jogadora de futebol. Estudei Educação Física e consegui trabalhar na parte técnica”, comenta. “Quando sai da equipe do Santos, resolvi abrir uma escola e dar oportunidade para mulheres de todas as idades aprenderem a jogar. Pois sabemos o quanto é difícil achar um espaço para praticar e exclusivo pra elas”.

Para além disso, é possível treinar em equipes mistas no Portuários, no Tênis Clube de Santos e na AABB.

www.juicysantos.com.br - escolas de futebol feminino em santos

Se o orçamento não permitir pagar pelas aulas, as meninas só têm a opções de aulas gratuitas em equipes mistas. Pois atualmente nenhum equipamento da Prefeitura de Santos oferece aulas só para meninas. De acordo com a Secretária Municipal de Esportes, em julho serão abertas vagas para meninas no Centro Esportivo Pagão. Só que, se as inscrições não chegarem a um número mínimo, a turma será com os garotos – como acontece no Rebouças e Zona Noroeste.

Santos na torcida

Na arquibancada dos jogos femininos em Santos, uma grande parte do público é formado pelas meninas que certamente vão se inscrever para a turma do Pagão. Aliás, o Centro Esportivo Pagão fica no Bairro do Bom Retiro (Rua Comandante Bulcão Viana, sem número) e mais informações podem ser obtidas no (13) 3299-2846. Também é comum encontrar os familiares das jogadoras e pessoas que estão ali para incentivar o esporte.

Em outras palavras: um ambiente sem hostilidade.

“Eu já frequentei todos os setores da Vila. E uma coisa é clara: são públicos diferentes”, comenta Mayra. “Às vezes, eu vou sozinha aos jogos e nessas ocasiões tem caras que ficam olhando… Como se eu não devesse estar ali. Alguns me veem gritando e vem ao meu lado só pra gritar mais alto e se afirmar”, continua. “Nos jogos das Sereias nunca passei por algo assim”.

No que depender de Cauana Donat, a realidade não será essa nos próximos anos.

Torcedora do Corinthians, ela também é apaixonada por futebol e conta que só não tentou uma carreira como jogadora por conta do preconceito.

“Sempre que tinha oportunidade, me lembravam que futebol era coisa de menino. Apesar de não jogar, eu sempre acompanhei fielmente. Sempre assisti aos jogos, fiz tabelinha dos campeonatos disputados e sabia todos os títulos”, conta.

Agora que é mãe do Pedro, de 5 anos, ela o ensina que não existem espaços de meninos ou de meninas.

“Desde pequeno, ele assiste jogos masculinos e femininos, tanto na televisão quanto no estádio. Inclusive, ele não fala sobre outra coisa a não ser os jogos da Copa do Mundo de Futebol Feminino. É só começar o jogo que ele para qualquer brincadeira para acompanhar”.

Vamos parar para ver as meninas jogar

Assim como o Pedro, algumas empresas também estão parando para ver os jogos da seleção feminina. O fato, que é comum nos jogos masculinos (há quem pense até que quando eles jogam é feriado), ainda é uma exceção quando elas entram em campo. No porto de Santos, por exemplo, apenas a DP World liberou os colaboradores para assistir aos jogos.

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O uniforme da seleção também foi liberado no dia dos jogos na empresa.

Apesar da tradição do futebol feminino em Santos, nenhuma outra empresa de grande porte aderiu ao movimento. E poucos bares e restaurantes da cidade estão com a típica decoração de Copa do Mundo. A reportagem do Juicy só conseguiu assistir ao 16º gol da Marta em Copa do Mundo (que a tornou a maior artilheira entre homens e mulheres, ao lado do alemão Klose) no Original Co.

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“Já passou da hora de entenderem que é o mesmo futebol e tem o mesmo objetivo. É esporte. Todo mundo pode gostar e praticar esporte”, comenta Mayra sobre essa desigualdade.