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Sobre o aniversário de Santos

Já faz quase um mês que saí de Santos. Estou morando em São Paulo, cidade em que trabalho desde o início de 2010, e seria mentira se eu chorasse as pitangas dizendo que estou muito infeliz longe de Santos porque é a melhor cidade do mundo e mimimi. Não sei se é a melhor cidade, conheço poucas ainda, mas estou bem onde estou e penso tanto nas pessoas das quais estou mais longe agora que a cidade ficou em segundo em plano no quesito “saudade”.

Por isso, essa é a primeira vez desde a mudança que paro e presto atenção no quanto da cidade está presente em mim e se perdeu do meu cotidiano. Um exercício engraçado e que chegou tarde se a gente levar em consideração que logo na primeira semana eu procurei uma padaria e não achei. Em Santos tem uma em cada esquina e eu nunca precisei bater perna para comprar as médias do fim de tarde.

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Aliás, tá aí algo que eu sempre vou me policiar para não pedir: médias. Em São Paulo uma média é um café, o que não faz o menor sentido, já que todo mundo deveria saber que média é média e café é café. Mas este é só um dos detalhes.

Desde que mudei, as voltas para casa ficaram um tanto impessoais. Saem de cena as crianças jogando bola nas ruas da Vila Belmiro e as donas de casa que colocam a cadeira de praia no portão para conversar, e entram as pessoas apressadas do metrô, os moradores de rua e, para não dizer que não falei delas, o vendedor de flores da saída da estação Santa Cecília.

O clima também ficou um pouco estranho. Meu cabelo tem menos volume, já que São Paulo não tem aquele familiar vapor santista. E, depois das chuvas de verão, eu não sinto mais um bafinho me esquentando as canelas molhadas naquelas traiçoeiras poças d’água que se formam nas calçadas de pedras. Calçadas, aliás, que a gente mal pode andar sem escalpelar um dedão, mas que ninguém ousa modificar porque fazem parte do charme da cidade.

Sair de casa também ganhou outro significado. Exposições, filmes independentes, festas, shows… É difícil ficar em casa em São Paulo quando há tanta coisa para fazer. E tudo aqui é um grande evento, a gente se arruma e pega metrô. Então não tem essa de sair despretensiosamente, de Havaianas, num fim de tarde, e de repente ir parar na Pinacoteca e mais tarde se ver numa sala de cinema e em seguida em um barzinho. A menos que você more na Avenida Paulista, não é assim tão simples. Requer planejamento, e o que fica em outro bairro está, de fato, distante.

Os personagens também são outros. Nunca mais caí acidentalmente em uma gravação do Tudo de Bom ou do Programa do JB em alguma loja da cidade. Nem vi o moço que usa um monte de relógios ali na porta da Americanas. Agora eu só faço cara de paisagem pros estudantes da Casper e desvio do sujeito que pinta a cara de vermelho e chora na porta do metrô.

Aos sábados pela manhã não tem calçadão da orla para passear. Não que eu acordasse cedo para o jogging matinal, mas eu poderia, se eu quisesse… Agora eu tenho o Ibirapuera e o elevado Costa e Silva para dar vazão à minha Olivia Newton-John interior, onde infelizmente não há senhores correndo de sunga e tênis de ginástica. Que pena.

E eu poderia passar a madrugada citando as mudanças do dia-a-dia que vieram com a saída de Santos. E eu continuaria firme na minha aversão ao melodrama das ovelhas desgarradas, mas nostálgica. Não acho que Santos seja perfeita e, de novo, sei lá se é a mais legal do mundo. Mas ela tem personalidade. Os regionalismos, as manias, as particularidades que a gente só vê em Santos compõem a nossa referência de “costumes de casa”, e mesmo encontrando por aí muita coisa que falta na cidade, e mesmo sendo feliz em outros lugares, Santos sempre vai ser uma referência gostosa, com sombra de chapéu de sol e quiosque de água de coco e suco geladinho.

Cidade, espero que você me desculpe por ter ido embora, e que a saudade que eu sinto das suas calçadas meio tortas e seu cheiro de maresia ajudem a me redimir. Umbêjo!

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