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Como Santos pode voltar a ser uma cidade inovadora?

Santos já foi uma cidade conhecida por estar à frente do seu tempo. A cena cultural pujante da década de 60 fez essa cidade ser uma potencial pioneira da economia cognitivo cultural. Mas algo, que pouca gente sabe explicar, fez Santos se tornar uma cidade hegemônica em vários sentidos. Meu objetivo no texto a seguir não é oferecer respostas óbvias, mas convidar você a pensar junto comigo: Como Santos pode voltar a ser uma cidade inovadora?

Uns dizem que a ditadura militar foi a responsável pelo esmorecimento de sua alma progressista. Outras pessoas comentam que ser conhecida como “a cidade ideal para se aposentar” foi uma estratégia que nos levou para esse momento.

Além disso, grande parte da nossa economia gira em torno de uma única árvore econômica: o porto. Com razão, já que o Porto de Santos é o maior complexo portuário da América Latina. Mas ele não deveria ter sido a única prioridade quando pensamos nos planos de desenvolvimento para a cidade. Definitivamente Santos não pode se ancorar em apenas uma indústria. Ela precisa se preparar para o futuro que já está no horizonte. E fomentar a inovação é a única saída.

Sugestões para você

A sociedade irá passar por grandes transformações estruturais nos próximos anos. Os avanços das inteligências artificiais, como o ChatGPT, irão causar uma revolução no mercado de trabalho e, consequentemente, na nossa economia. Alguns chegam até a dizer que poderemos viver uma nova fase da revolução industrial. Quando as primeiras máquinas a vapor foram criadas, poucas pessoas poderiam imaginar a mudança profunda que elas causariam na relação entre a sociedade, o trabalho e o capital.

Muitos apostam que, em breve, viveremos um movimento parecido: trabalhos vão ser extintos e serão criados outros que ainda nem conseguimos conceber. Inúmeras pessoas e empresas enfrentarão as consequências desse processo. Como em toda crise, há quem vá sair derrotado e há quem vá lucrar muito com o prejuízo dos outros. Se a história nos ensina alguma coisa, ninguém está a salvo e quem estiver preparado vai sofrer menos.

Como Santos pode voltar a ser uma cidade inovadora?

Um bom ecossistema é feito com os maiores investindo em quem está começando

Como disse na minha entrevista para a revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, o que muda a história de uma região é a concentração de talentos. Mas não basta só juntar as pessoas, é preciso apoiar esses talentos para eles poderem render frutos. E aí estamos falando de dinheiro, na forma de financiamento, com a oferta de bons empregos, e em investimentos em novos negócios.

A troca é sempre o melhor caminho, opiniões diferentes fortalecem o ecossistema e o tornam melhor e mais resistente. E a troca de experiências e recursos entre quem já está estabelecido e quem está entrando no jogo é fundamental. Estima-se que o valor mínimo que uma empresa precisa para começar é 150 mil reais. Diante desse cenário, encontrar uma boa rede de apoio, tanto de conhecimento como de economia, pode ser crucial para os negócios ainda na fase inicial.

Precisamos tornar comum em Santos algo que já é tão normal lá fora: a prática do give back para o investimento social e além de aporte em empreendimentos de talentos emergentes.

O Vale do Silício é referência quando pensamos em inovação e empresas que estão construindo a nova economia. Todo mês, a região ganha um novo multimilionário, sem falar nos bilionários. E sabe o que essas pessoas fazem com parte da fortuna que recebem dos seus negócios? Investem em novos.

Um caso famoso dessa tradição é a Máfia do Paypal, que conta com os bilionários Peter Thiel e Elon Musk. O nome veio porque os integrantes dessa “máfia” são todos ex-funcionários do Paypal, que saíram da empresa após ela ser comprada pelo eBay. Com o dinheiro da venda, por conta própria, esses funcionários investiram em outras companhias que também fizeram história, como YouTube, Facebook, Airbnb e as empresas do momento: Tesla e SpaceX. E esse é só um exemplo, é assim que a nova economia está sendo construída.

Um motivo para nos animarmos: até pouco tempo atrás, o Vale do Silício concentrava cerca de metade dos investimentos de venture capital do mundo. Hoje, a região tem um quinto. As cidades menores estão atraindo mais atenção e capital. E, se souber aproveitar, Santos pode se beneficiar muito desse movimento que se intensificou no pós-pandemia.

Como a inovação funciona?

Inovar é saber fazer as perguntas certas, não necessariamente ter as respostas.

Como CEO do Juicyhub, entendo que a inovação para gerar impacto local possui os seguintes pilares:

  • A organização e sistematização das informações do lugar em que ela acontece, para que uma região se torne interessante a ponto de atrair talentos
  • A criação de um ambiente de negócios para os talentos terem motivos para ficar
  • A formação de uma rede de pessoas alinhadas, que multipliquem e não só somem

Além desse conceito, sob o ponto de vista prático, um ecossistema de inovação depende do funcionamento de vários atores, sendo eles:

O que é ecossistema de inovação

  • Comunidade
  • Universidades e instituições de ensino
  • Startups
  • Ambientes/habitat (hubs de inovação, parques tecnológicos, aceleradoras, coworkings, incubadoras, living labs, espaços maker)
  • Instituição de apoio
  • Rede de mentorias
  • Instituições de fomento
  • Rede de investidores
  • Grandes empresas
  • Redes de serviços
  • Governos (municipal, estadual e federal)
  • Instituições de pesquisa

Os horizontes da inovação

No livro O Paradoxo da Prosperidade, o professor da Harvard Business School, Clayton M. Christensen explica que existem três tipos de inovação. A Inovação de Eficiência, cuja prioridade é diminuir custos e prazos de produção. A Inovação de Sustentação, aquela focada em criar melhorias ou novas versões daquilo que já existe. E a Inovação Criadora de Mercado, que inventa novas soluções e, como o nome sugere, cria seu público. No mundo da inovação isso também é chamado de “três horizontes da inovação”, os famosos H1, H2 e H3.

 

Horizontes da inovação - gráfico demonstrando H1, H2 e H3

A Inovação Criadora de Mercado é aquela capaz de gerar o maior impacto social e econômico. Além de gerar grande prosperidade econômica, empregos locais e impacto locorregional, ela acaba gerando a Inovação de Sustentação e, eventualmente, a Inovação de Eficiência. Por exemplo, o primeiro iPhone foi uma Inovação Criadora de Mercado porque criou uma nova categoria de produto e diversos ecossistemas de software como a Apple Store, entre outros. Os modelos seguintes foram Inovações de Sustentação já que foram atualizações e evolução dos recursos do iPhone.

As Inovações de Eficiência são aquelas que melhoram processos de produção, diminuem despesas e muitas vezes o número de pessoas necessárias para gerar riqueza. É comum gestores e líderes focarem apenas nesse tipo de inovação visando o custo-benefício, pois elas exigem menos investimento e têm menos riscos. Mas priorizá-la não torna um ecossistema mais seguro ou saudável.

A Inovação Criadora de Mercado é a resposta para uma economia mais saudável e segura. Por não ser baseada apenas em uma indústria, ela acaba minimizando os riscos. Em caso de eventuais crises, o sistema todo não fica comprometido – e as partes que saíram ilesas podem ajudar na recuperação dele. Quando a economia de uma cidade é focada apenas em um setor e em empresas, sem pensar no ecossistema econômico, ela é mais frágil. Se as empresas decidem ir para outro lugar, a cidade inteira é prejudicada.

A inovação em Santos precisa de mais de um horizonte

As iniciativas para a inovação ainda são poucas e difusas na cidade. A intenção da existência do Parque Tecnológico de Santos é uma dessas frentes cuja história detalhada foi pauta do artigo Santos precisa de um parque tecnológico? aqui no Juicy Santos.

Outra iniciativa é o Juicyhub, hub de inovação com foco em acelerar o acesso à nova economia fora das metrópoles, iniciativa da qual eu faço parte.

Enquanto o desafio do Parque Tecnológico é o criar o seu “recheio” e atratividade, além do cuidado em não ter a narrativa da inovação sequestrada pelo segmento portuário, o desafio do Juicyhub é crescer com o apoio dos atores locais que queiram investir em frentes ligadas ao trabalho digno e crescimento econômico, cidades e comunidades sustentáveis e igualdade de gênero.

Essas iniciativas na cidade são relativamente recentes. A obra do Parque Tecnológico, com seu andar administrativo, foi entregue depois do início da pandemia. O Juicyhub abriu oficialmente suas portas em dezembro de 2021.

Santos pode voltar a ser uma cidade inovadora? Existe um caminho?

Santos tem uma oportunidade única de criar um novo caminho e se tornar um polo de inovação do país. A pandemia mudou o panorama e acelerou mudanças que levariam muito tempo. Em menos de dois anos, o termo home office se popularizou e a aposta é que o trabalho híbrido vire a norma nas empresas. Uma cidade litorânea a quarenta minutos de São Paulo pode se dar muito bem nesse cenário.

Antes, era comum as pessoas saírem de suas cidades para ir atrás dos empregos. Quem não conhece alguém que foi pra São Paulo mas queria ter ficado em Santos? O modelo de trabalho híbrido vai permitir que as pessoas decidam onde querem estar. E, na nova economia, as cidades que conseguirem atrair talentos e gerar comunidades inovadoras sairão na frente.

Sem ficar tão preso ao escritório físico, o talento, principalmente os talentos da nova economia, tem a escolha de onde querem morar. E a tendência é que as pessoas saiam das grandes cidades, rumo às cidades menores, mais agradáveis e acessíveis. Essa é a oportunidade que Santos tem de repatriar os talentos que foram expulsos da cidade porque não tinham oportunidades de trabalho aqui.

O movimento é global: em Nova York, apenas 9% dos trabalhadores vão aos escritórios todos os dias da semana. E, hoje, ela é a cidade que mais perdeu habitantes desde a pandemia.

Quatrocentas mil pessoas abandonaram NYC entre 2020 e 2022. E isso é quase toda a população santista. As pessoas que estão escolhendo sair de Nova York e São Paulo, em sua maioria, são talentos da nova economia que podem ser determinantes no desenvolvimento de uma cidade de pequeno e médio porte.

Atrair esses talentos importa, porque o nível cultural e educacional dessas pessoas é muito alto. Para onde eles forem, esses talentos estão fadados a desenvolver pequenos clusters criativos.

A inovação é como uma faísca: ela só precisa do ambiente propício para pegar fogo.

A diversidade econômica é fundamental para uma Santos inovadora

Para que Santos tenha um ecossistema de inovação capaz de criar novos mercados, é fundamental ir além além da narrativa econômica mais forte que temos. Seguir pensando em inovacão sempre do ponto de vista da área portuária de de logística é uma narrativa hegemônica, que vai seguir perpetuando uma cidade nada inclusiva e diversa. Essa é uma questão de sobrevivência para os negócios e para a cidade.

Eu gosto muito da tese de Richard Florida, autor americano que há mais de uma década explora teses ligadas aos profissionais da área de criatividade e inovação. Richard, que foi pupilo da incrível Jane Jacobs desenvolveu uma tese simples para que líderes públicos e privados entendam a importância dos 3Ts: Talento, Tolerância e Tecnologia nas cidades, para que elas sejam economicamente competitivas.

Florida, em suas palestras sempre traz luz para a diversidade, comentando que estamos acostumados e enxergar o Vale do Silício como sinônimo de tecnologia. Mas tolerência – e a diversidade conquistada por meio dela – são elementos-chave para que aquela região fosse tão competitiva e exportasse tantos empreendimentos de sucesso para o mundo, em múltiplos setores econômicos.

Porto de Santos e a inovação

Não é sobre negar a importância, relevância e protagonismo do Porto de Santos. O maior porto da América Latina é um ator essencial para que o ecossistema de inovação da nossa região se desenvolva. Porém, hoje, as perspectivas são ambíguas para Santos. Além do futuro tecnológico incerto, a fronteira agrícola do país está cada vez mais ao norte. Isso significa que, logo, será mais vantajoso exportar os alimentos brasileiros pelos portos do norte, que estarão mais perto das plantações – e não mais pelo Porto de Santos. Pode ser uma questão de tempo para que as empresas das quais Santos depende economicamente se mudem para o norte também.

Parece catastrófico mas não é. Em 2020, a zona portuária do Arco Norte movimentou 50% da produção de milho e soja do país, o Arco Norte engloba as instalações portuárias das Regiões Norte e Nordeste. Em 2010, ele era destino de apenas 23% da produção nacional de soja e milho. Cinco anos depois, em 2015, o percentual passou para 31%. E agora ele já é responsável por metade da produção de milho e soja do país. É provável que esse ano ele ultrapasse as regiões Sul e Sudeste.

O Arco Norte poupa o tempo e dinheiro para dos empresários: um estudo da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) calculou que o frete ficaria 40% mais barato se a produção fosse escoada por ali. Não tem como competir. Em 2019, estimava-se que os Terminais de Uso Privado (TUPs) da região ainda poderiam receber, pelo menos, o dobro da atual carga de grãos.

Esses dados merecem a nossa atenção. Afinal, nossa economia se baseia majoritariamente nos negócios oriundos do Porto de Santos.

Se as projeções se confirmarem, estaremos fadados a nos tornar uma espécie de Detroit brasileira? A cidade americana pediu falência em 2013, antes, era conhecida por ser a “capital do automóvel”, e era sede das bases de operações dos gigantes do mercado, como General Motors e Ford.

Apostando em apenas uma indústria, Santos segue para o mesmo caminho.

Ludmilla Rossi
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