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O home office detonou a nossa saúde mental. E agora?

As primeiras semanas de home office na pandemia, para mim, foram incríveis. O ritmo se alterou pouco, estava me alimentando melhor porque cozinhava em casa, minha filha fazia lição sentada ao meu lado e minha gata vinha me afagar de vez em quando pra me lembrar de que a vida havia parado lá fora, mas continuava aqui dentro. Tive picos de produtividade. E a impressão era de que conseguia realizar muito mais coisas em menos tempo.

Só que a conta chegou. Todos os dias começavam e terminavam da mesma forma. Ia do fogão para o computador para a cama em um ciclo infinito que durou meses.

Assim como muita gente, por volta do terceiro mês, comecei a enfrentar crises de ansiedade no isolamento. Uma delas terminou comigo deitada no chão de piso frio da sala chorando sem parar. Passei a tomar remédios para dormir. A sensação era de estar seca de ideias e objetivos.

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Você se lembra de quando tudo no home office era legal?

Fazer reunião de pijama, poder trabalhar com o cachorro do lado, não precisar gastar tanto tempo em deslocamento e até acordar um pouco mais tarde, se necessário.

Trabalhar de casa tem inúmeros benefícios, mas justamente quando uma parcela da população se viu nesse cenário, sentimos falta do contato e da inspiração de estar juntos uns com os outros.

Por isso, o Juicycast convidou a psicóloga clínica Jaci Aragão para um papo sobre os impactos do home office – em especial, após 2020 – na nossa vida cotidiana.

Home office no Brasil hoje

No Brasil, menos de 10% das pessoas empregadas trabalham em regime home office. Em novembro de 2021, segundo uma pesquisa do Ibre/FGV, 7,3 milhões de brasileiros trabalhavam de casa. A tendência é que esse número aumente, as empresas que mais empregam aqui estão adotando o regime híbrido de trabalho para os cargos em que o remoto é possível. E estima-se que, no país, mais de 25% das funções podem ser feitas em qualquer lugar, inclusive em casa.

Mas nem tudo são flores e perspectivas positivas.

Se, no início da adaptação, as principais queixas eram em relação à infraestrutura – já que as casas não estavam preparadas para o home office -, isso ficou mais sério com o tempo. o tempo passou e as rotinas se intensificaram, foram aparecendo outras questões.

“O nosso cérebro faz a leitura: quando você está de pijama, no quarto, seu cérebro entende que está em uma fase de relaxamento. Perdeu-se a rotina, embora o trabalho tenha tomado todo o tempo”, conta Jaci. 

Depois de quase 3 anos de aprendizado sobre esse modelo, nossa saúde mental e vida social sofreram as consequências do home office.

Os casos de burnout explodiram. A desigualdade social ficou escancarada. E muitas mulheres foram obrigadas a sair do mercado de trabalho, porque acumulavam com o serviço corporativo as tarefas domésticas sozinhas. O número de divórcios também deu um salto. Assim como os casos de violência em casa.

Uma pesquisa do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas revelou que, das mulheres entrevistadas, 40,5% apresentam sintomas de depressão, 34,9% de ansiedade e 37,3% de estresse. Precisamos falar sobre isso.

O que é burnout

Burnout é o esgotamento causado pelo excesso de trabalho. Esse termo entrou no nosso vocabulário nos últimos anos.

Embora não seja causa direta no aumento dos casos de burnout, o trabalho 100% remoto pode ter sido um agravante. Isso porque torna a rotina mais isolada e menos estimulante para muita gente.

Segundo Jaci, a diferença entre burnout e depressão é que o primeiro está relacionado apenas ao trabalho. A pessoa doente passa a evitar tarefas e se sentir mal apenas nesse papel. O segundo diz respeito às outras relações e esferas da vida.

www.juicysantos.com.br - Jaci Aragão

“A casa e o trabalho entraram em conflito e o adoecimento foi muito grande. Ele (o burnout) vem de uma cultura organizacional adoecida, mas também da própria pessoa”, explica Jaci. 

Solidão, baixa autoestima, falta de sono, estresse e depressão são alguns dos sintomas que diminuem a produção de dopamina no nosso organismo. A dopamina faz a comunicação entre nossos neurônios. Ou seja, sem ela nada funciona bem. Resultado: alterações de humor, perda de memória, queda na libido e irritabilidade.

Outra questão a se pensar: quais são os limites entre a vida pessoal e a profissional? Assim, o trabalho, que deveria ser uma fonte de realização, vira razão de angústia e medo.

Sem tomar um café no intervalo ou conversar com o colega sobre o seu fim de semana, a vida fica muito monótona. E se transforma apenas num enorme checklist de tarefas e pendências urgentes.

Uma vida só com obrigações é uma vida chata

Por aqui, temos sorte de trabalhar em áreas que suportam e dão oportunidade para o home office. Comunicação, inovação, tecnologia e alguns serviços administrativos funcionam bem assim.

Mas será que não se perdem pelo caminho oportunidades, conexões e ideias?

“Nós somos seres biospsicossociais. Nós temos a necessidade do convívio e da troca. Como é bom estar com um par no local de trabalho e ouvir um elogio ou um estímulo. Precisamos circular por todos os ambientes e exercer todos esses papéis. Por isso, vai além da questão de o home office ser bom ou não”, resume Jaci. 

Para líderes, fica uma reflexão: como nossos jovens lidam e vão crescer nesse cenário de trabalho remoto? Já que ele onera a liderança e coloca toda a responsabilidade nas costas de quem ainda está no início da sua jornada profissional. Além disso, quem está começando precisa aprender por observação, entender gestuais e a geopolítica do mercado de trabalho. No home office, não é possível observar as sutilezas e o Zoom vira uma grande ferramenta de edição. A comunicação não-verbal se perde no meio do caminho.

O contato com colegas de trabalho é essencial tanto para a aprendizagem quanto para a sensação de pertencimento. No home office, é mais difícil criar laços entre as pessoas e com a empresa. Existe uma distância física de tudo.

Para os trabalhadores seniores o trabalho remoto, é mais estratégico. Pois eles já viveram esse processo inicial e sabem como as coisas funcionam.

Passamos por momentos tristes como indivíduos e como sociedade desde março de 2020. E esse fato histórico mudou, inclusive, nossa relação com o trabalho.

Agora, é o momento para refletirmos e pensar no que podemos aprender com essa experiência. Em relação ao home office, agora sabemos que é uma opção para alguns e um privilégio para poucos.

O futuro talvez seja do trabalho híbrido, que una a liberdade do trabalho remoto sem perder a convivência em comunidade. Porque é impossível ser feliz sozinho.

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