Texto porLudmilla Rossi
Santos

Sobre consumo, bazar e preconceito

Esse post é para refletir sobre alguns dos nossos hábitos de consumo. Primeiro vamos começar falando da parametrização de novo X semi-novo (um nome bonito para usado). Quando estamos falando de roupas, o que define que uma peça de roupa é nova ou usada?

Uma etiqueta? Se ela já foi usada ou não? Sua data de fabricação? O que especificamente? Depois de ter participado da organização de dois bazares beneficentes aqui em Santos, chego à conclusão que ainda há muita barreira para consumir peças semi-novas. Um preconceito que não sei se é santista ou nacional, mas que existe.

Preciso começar esse texto reforçando que sou uma pessoa extremamente chata e exigente com acabamento. Ao meu ver não chega a ser frescura, mas tenho verdadeiro pânico de roupas com cara de surradas, malhas com bolinhas, calça jeans com costura estranha, sapato desgrenhado, enfim. E eu fico de olho nesses detalhes o tempo todo de maneira involuntária.

Apesar desse defeito, eu não tenho barreiras com o consumo de roupas semi-novas – mas conheço muita gente que tem. E quero falar sobre isso, pois acho que é algo impregnado em nós, brasileiros.

Se pensarmos bem os americanos e europeus estão mega acostumados com garage sales, brechós e compras de roupas usadas. Não há vergonha nenhuma em fazer isso – você não é melhor ou pior, mais rico ou mais pobre, mais sujinho ou mais limpinho por comprar uma peça de roupa que já foi de uma outra pessoa. Iniciativas como o thredUP representam bem esse momento da sociedade americana. O site inglês ASOS possui um market place abarrotado de peças pre-owned. Além do eBay, que vende peças pre-owned to mundo todo. E ninguém fica com “nojinho” disso.

Celebridades de um tempo pra cá vem falando que compram roupas em brechós, ajudando a derrubar esse mito. Mas qual a diferença de uma peça nova e semi-nova mesmo?

A gente adora comprar na Zara, Renner, C&A… mas será que você parou pra pensar no caminho que essas peças percorrem até se assentarem num cabide no armário/closet? China, India, Bangladesh, mão-de-obra escrava e manufatura em ambientes bem sujinhos. Não contente, milhares de pessoas experimentam aquelas peças depois de andar na rua e as peças ficam expostas em ambientes de altíssima circulação… cadê o frescor e rótulo de “novo” da peça? Será que a etiqueta muda isso? Pensando bem friamente, qual a diferença disso para um bazar?

Outra coisa que me chama a atenção: outlets. Um amontoado de peças de coleções de anos atrás, ou peças de desfile. E as pessoas vão lá felizes comprando achando que estão levando peças “novinhas” pra casa. Não conheço muitos outlets, mas a bagunça da nova iorquina Century 21 não sai da minha cabeça. Vi muitos vestidos de festa de designers renomados com manchas, bordados que precisavam ser arrumados, peças descosturadas… com etiquetas, claro. Peços baixos, mas ainda assim preços de roupas novas.

Não indo muito longe, quem frequenta o Q!Bazar em São Paulo vai entender bem. O Q!Bazar é uma imensa ponta de estoque onde encontramos muita coisa ruim e detonada, e ali no meio algumas boas oportunidades. Mas especificamente lá no Q!Bazar lá vi muita coisa “destruída” e mesmo assim sendo vendida como nova.

Seguindo essa linha de raciocínio, hoje eu defino bazares e brechós como “outlets de pessoas físicas” que já usaram aquelas peças e que estão se desfazendo delas por algum motivo x. O cuidado que a gente precisa ter é exatamente o mesmo dos ditos outlets e pontas de estoque: lavar bem a roupa quando chegar em casa, escolher minuciosamente e treinar o olhar para achar coisas bacanas.

Então qual a diferença mesmo?

A alegria do look total bazar da consultora de imagem Érica Minchin – tudo por menos de R$ 40, incluindo acessórios.

Para mim a diferença está em dois pontos: o estado de conservação geral da peça e o seu olhar/critério para consumí-la como nova. O “novo” está no nosso olhar gente. O novo está na nossa relação com o produto, e não no rótulo/etiqueta que lhe foi colocado. O novo na realidade estará no frescor que você vai sentir depois de usar aquela peça, que será nova para você. E na verdade, é só isso que importa, não é mesmo?