Texto porLudmilla Rossi
Santos
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Look do dia e it-girls – até quando?

Lembro até hoje, em meados de 1996, quando a Revista Veja trouxe uma matéria “Patricinhas para leigos”. Clueless estava saindo do forno como um clássico do cinema que desde aquela época sabíamos que ia marcar nossa adolescência. Filme idiota, eu sei. Mas Alicia Silverstone e seu guardarroupa automatizado habitavam os sonhos de consumo das meninas da oitava série.

No Brasil a Patrícia de Sabrit (sim, aquela que ficou mais *cof* famosa por pegar o Fábio Junior) foi vendida como o modelo das tais “patricinhas”. Me recordo até hoje como a Veja vendia isso como um modelinho meio que pronto: você precisa comprar na Daslu (dispensa apresentações), usar lingerie da Caro Cuore (marca argentina duvidosa), pulseirinha de Murano (ilha italiana famosa por seus cristais), além de algumas outras besteiras.

Adendo regional
Vale fazer aqui um adendo regional – em Santos existiam umas regras próprias como meias por cima da legging (tão ridículo quanto a moda das academias cariocas), boné da Ford Models (quem nunca?) e cavalinhos cavalgantes nas blusas e meias. Vale citar também que por aqui havia uma divisão da classe de patricinhas, a maioria era batizada de “cocota”. WTF? Pra mim isso é nome de panela e por aqui acaba o meu adendo regional. Tem muita gente rindo de si mesmo nesse momento, eu sei.

Voltando ao assunto, Clueless é um filme todo baseado em “looks do dia”, de uma forma mais gritante até do que O Diabo Veste Prada, por exemplo. Maaaaas, como um enredo soooooo 96 ainda faz a cabeça de tanta gente na Blogosfera contemporânea?

A “geração Y” (já falei que detesto essas denominações?) não conheceu Clueless, visto que o filme já saturou até na Sessão da Tarde. Mas conhece bem o termo (tão abminável quanto) chamado it-girls.

Li esse texto e liguei alguns pontos. As It-Girls são as Patricinhas da geração atual, até aí sem novidades. Entretanto, tudo fica cada vez mais clueless. Tínhamos no personagem de Alicia Silverstone a expressão de um mundo que não existe, mas ali ainda havia cor, estilo e uma personalidade. Cada personagem do filme trazia uma característica e uma “questão de honra” na diferenciação pelo seu próprio visual.

É um efeito bastante inverso do que acontece com as it-girls, em escala global. Blogs look do dia ainda pipocam e parecem ainda dar um certo Ibope para suas proprietárias – sem que elas percebam que cada vez isso se afasta do universo “real” da moda, que por sua vez… enfim. Me impressiona como ainda surgem blogs mostrando “look do dia” como uma “novidade cool”.

Isso cansa. Não sei se é chegar na casa dos 30, não sei se é saturação, mas poucos blogs de look do dia, atualmente, convencem o mercado. Poucas aspirantes a “it-girls” sobrevivem, enquanto muitas entram num processo de autofagia. Autodestruição do que seria inédito, legal demais ou criativo, replicado em massa assim como as grandes indústrias chinesas fazem com nossas quinquilharias.

Posso citar aqui um bom exemplo mainstream: Jane Aldridge, referência. Chamá-la de it-girl é quase um xingamento, pois nunca vi a moça replicando uma “bolsa Alexa” ou se rendendo a modelos estabelecidos. Ela chega a ser caricata… ou não. Ou talvez as aspirantes a it-girls sejam um esboço chinês de uma geração de patricinhas.

O desejado armário da Alicia Silverstone já existe nos sites como Fashiolista.com, no Apps para iPad, no iPhone. O que se perdeu foi o ideal feminino. A Patricinha do passado não tinha a opção de ser “blogueira profissional”  ela precisava ser médica, advogada, publicitária, engenheira. A it-girl mal estuda e muitas vezes escolhe uma plataforma que não demanda tanta profundidade assim.

Convenhamos que qualquer uma consegue montar um blog, deixá-lo bonitinho e abrí-lo para as amigas honrarem 50 acessos diários, transformando isso numa pseudo-profissão para inglês ver. A realidade é que pouquíssimas pessoas conseguem ser Camila Coutinho, uma das poucas “it-girls” que admiro pelo seu desbravamento e empreendedorismo.

Me admira ver gente chegando agora na blogosfera insistindo em fotografar seus próprios looks cruzando a perninha (como se eles fossem uma obra de arte), em usar uma linguagem que já expirou, em tentar parecer referência para um universo que tem referências demais, sem ter nenhuma.

Me admira ver meninas encarando a criação de um blog como um milagre econômico, como se houvesse tanto espaço para tanta gente que usa o mesmo discurso, e curiosamente as mesmas roupas.

Me admira ver um exécito arrumado do mesmo jeito, penteado do mesmo jeito, fotografado do mesmo jeito tentando todo mundo ser a mesma pessoa rica, magra, alta, impecável e bem vestida do imaginário coletivo. Tenho a sensação que alguns blogs existem somente para afofar o ego num esforço gigantesco para mostrar que a conta bancária permanece azul (mesmo com gastos astronômicos), seja devido a uma herança, uma família rica ou a algum evento da natureza que muita gente ainda desconhece.

Que saudade de quando a falta de noção era expressada em Clueless, e não em uma realidade cada vez mais sem noção, replicada, atrasada e boring. Futilidade nunca foi um problema. A falta de criatividade, cada vez mais.

Peço desculpas para quem ainda acha isso o máximo. Eu passo.

As instruções da Revista Veja de 1996 e os looks do dia. Muitos anos depois, qual é a diferença?