Texto porLudmilla Rossi
Santos

mIRC e a Internet Caiçara

É bem difícil achar alguém que não goste de Beatles ou de música dos anos 60/70. E quem se delicia com essa época de grandes construções musicais vai entender bem o que eu quero dizer. Eu sinto uma invejinha branca dos nossos pais, pois eles vivenciaram toda essa efervescência musical, toda a descoberta do que mais tarde seria considerada uma obra genial.

mirc primórdios da internet

Tem Woodstock, tem os festivais, tem as festas, tem a estética hippie que é incrível. A gente continua ouvindo Beatles e pessoas são apresentadas diariamente para a obra deles, provocando nos mais velhos aquele sentimento de nostalgia. Algo como “eu fiz parte disso, eu conheci isso antes de muita gente”. Nostalgia – ninguém vive de passado, mas olhar para trás e ver do que você fez parte é muito bom.

Há algum tempo atrás, ao ver alguns comentários no Facebook (do Leonardo Motta, ex-Lemonhead), tive o insight de criar um grupo para reunir as pessoas que estavam comentando no post do Leonardo e fizeram parte de um grupo de pessoas que acessaram a Internet de forma bastante precoce. A brincadeira começou umas 21h, com o Limão, Tuca-Maia e Bon-Jovi (note que isso são “nicks”). Em pouquíssimo tempo já eram mais de 60 pessoas, um chamava sua rede de contatos que fez parte daquela época. 24 horas depois, eram 220 pessoas e um número de postagens frenéticas, a ponto de muitos reclamarem que o FB travava.

Vale ter um momento de antropologia aqui: hoje a gente procura nossos amigos no Facebook pelo nome real, mas por muito tempo a maior parte das pessoas se comunicavam sem seus nomes declarados. A busca era uma zona, praticamente impossível encontrar um amigo já conhecido nesses canais. Sempre nos cobríamos por um nickname. Algumas pessoas, por vários.

primórdios da internet

Mas, qual a razão de falar disso aqui no Juicy Santos e quem são essas pessoas que foram se aglomerando? O Juicy Santos é tataraneto dessa época e dessa aurea. A Internet começou a virar uma ferramenta de massa no Brasil a partir de 1999/2000. Antes disso, apesar de um número bem relevantes de usuários, a Internet ficava restrita a pessoas que trabalhavam com tecnologia ou tinham uma curiosidade (e bolso) suficientes para custear PCs e contas de telefone razoáveis. Existe uma “história da Internet” aqui em Santos que está restrita a umas 300 pessoas da cidade, sem qualquer exagero.

Tudo começou em 1996 quando sugiram algumas BBS locais, que mencionei nesse post. Se você não sabe o que é BBS, maravilha, estou fazendo esse post para você saber que existia algo mais underground e feioso (e difícil) do que conhecemos hoje. Basicamente as “bulletin board system” conectavam computadores através de uma ligação telefônica visando troca de arquivo, chats e etc. Quando a Internet em si surgiu, essa demanda se potencializou. O resultado está aí e eu não preciso explicar, né?

A febre das BBSs não durou muito tempo, quando chegaram alguns provedores de acesso por aqui. Vou listar os que estão na minha memória: Carrier, BSNet, Iron, CCBEUnet (!), BigNet, PGnet, LBM, BigNet, Litoral, Allnetwork, entre outros (se lembrar de mais algum dessa época, deixe nos comentários).

Alguns desses provedores, como a BSNet, ofereciam “murais de classificados” e chats web. Passei uns três meses frequentando esses chats e nesse pouco tempo fiz amigos que carrego até hoje. Rapidamente as pessoas tangibilizaram a amizade e passaram a se encontrar pessoalmente: Schoppen, Big Bear Bar e Bar do 3. Lugares que não existem mais faz um bom tempo.

Um outro grupo de pessoas, liderado pelo jornalista Carlos Pimentel que já estavam se reunindo há um tempo, instituiram um evento mensal chamado Byte-P@po. Na época essa “marca” e o site do eventos foram feitos por inguém menos que Fábio Yabu (de quem já falamos aqui no Juicy Santos, o criador das fofas Princesas do Mar) que também fazia parte dessa turma.

Pouco depois, todos migraram rapidamente para o mIRC, que eram um ambiente, digamos, mais propício para conversar. Justamente quando essa comunidade passou a explodir em meados de 1997 cada vez chegava mais gente entre 16 e 25 anos na sua maioria.

Havia um canal #santos na BrasIRC e na BrasNet. A BrasIRC era mais frequentada. Não demorou para que as pessoas começassem a marcar encontros, ao invés de mensais passaram a ser semanais. Muita gente se lembra de uma certa aglomeração na frente do McDonald´s da Ponta da Praia. Eram os nerds dos primórdios da Internet Caiçara que todo domingo se reuniam por ali – ou early-adopters para ficar mais bonito.

O mais bacana de tudo isso é que volto naquele papo do começo. Algumas dessas pessoas descobriram esses “novos” meios de comunicação antes da maioria, antes dos blogs, antes do Orkut, muito antes do Facebook ou do Instagram, trazendo a sensação de um curto Woodstock digital. Assim foram reveladas grandes amizades, amores, profissionais e empreendedores. Nesse último caso, por mais que não hava relação tão direta, um pouco de empreendedorismo nasceu ali – aqui em Santos podemos citar os finados “sites de balada”, produtoras de sites, portais locais e portais nacionais. Hoje a Internet é só mais um meio de comunicação, banal para quem chegou já com ela em pleno funcionamento. Mas completamente diferente para quem viu sua transformação.