Texto porNathalia Ilovatte
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SPFW: O lado B da cobertura de moda

Dois beijinhos nos cabeleireiros-celebridades, vídeos com famosos, convites para desfiles disputados, brindes cobiçados… Ah, como é linda essa vida de SPFW!

Olhando de fora, o prédio da Bienal durante a maior semana de moda da América Latina é um castelo encantado onde todos os sonhos contemporâneos acontecem. O hype, o glamour, a perfeição estética, o status, os sonhos de consumo… Em maior ou menor escala, de um jeito saudável ou maquiavélico, todo mundo preza por algum desses ítens, senão por todos. E lá dentro você encontra o que parece o ápice de tudo isso, e ainda pode levar um pouquinho de tudo com você.

Se você, amiga blogueira, sonha com o dia em que chegará ao Ibirapuera com credencial no pescoço e transpirando dignidade, lute por isso. Mas não deixe que seja seu objetivo blogueiro de vida. Cobrir uma semana de moda é uma experiência ótima, mas está longe de ser um conto de fadas. O trabalho é árduo, exaustivo e o simples fato de fazê-lo não vai te transformar na Taylor Tomasi Hill.

Parte 1: desconstruindo mitos

Passaporte da alegria: embora muita gente sonhe em ter uma, a credencial comum de imprensa não te dá acesso a muita coisa. Muitos lounges são fechados para convidados e só é permitido entrar nas salas de desfile com convite. A entrada no backstage também não é liberada. Apenas com credencial só é permitido circular pelos corredores, visitar lounges abertos e usar a sala de imprensa. Os desfiles, que são a alma do evento, ficam em outro patamar.

Glamour: não trabalhamos. Ok, o evento é superbem decorado, tem muita gente linda que se veste muito bem, marcas megabadaladas e famosos. Mas você só curte tudo isso se for ao SPFW como convidado, e dos mais importantes. Se você vai para cobrir, e se levar sua cobertura a sério, trabalhar na semana de moda se torna tão glamuroso quanto ser a moça que recebe os potinhos no laboratório de análises clínicas.

Primeiro porque os desfiles são seguidos e não há quem consiga assistir um, escrever uma matéria e assistir o seguinte sem correr feito uma desesperada e esbofetear alguém na sala de imprensa para conseguir um computador livre. Além disso, você tem que lidar com egos do tamanho do peixe da entrada de Santos, algumas pessoas te destratam com uma crueldade de fazer Miranda Priestly chorar, os famosos não são superacessíveis (exceto os ex-BBB) e você corre por tantas escadas e rampas que no fim de cada um dos seis dias chega em casa sentindo que foi atropelado por um dinossauro. Em suma: você não vive o glamour. Você é uma louca descabelada com bolhas nos pés vendo o glamour passar por você.

Gente que se veste bem: Hahahahaha! Bom, sejamos justos, não chega a ter Crocs, e também tem bastante gente com um senso estético invejável e looks maravilhosos. Sério, tem gente que dá vontade de fazer uma inception para roubar todo o conhecimento de moda, estética e estilo. Mas também tá sobrando adepto do patchwork de chamadas da Vogue.  O pessoal pega um monte de ítens que estão bombando, mistura e acha que arrasou, quando na verdade tá faltando coerência e, o principal, estilo. Tem gente assim em todo lugar, inclusive no SPFW.

Parte 2: e daí?

Moral da história, o SPFW é um evento incrível e tem desfiles maravilhosos que chegam a arrancar lágrimas do público (Ronaldo Fraga é campeão nisso) mas cobri-lo não faz de ninguém um blogueiro mais fino e glamuroso, tampouco um bom repórter de moda. Quem está lá fazendo um bom trabalho não está curtindo o evento, mas ralando muito, fritando neurônios e sacrificando a vida social (embora pensem que todo mundo bate muito cabelo nas festinhas). Ademais, a credencial ou o oxigênio do prédio não transmitem conhecimento para ninguém. Portanto, você pode ver um milhão de desfiles e contar o que viu quantas vezes aguentar, mas se ficar bitolado no que é óbvio e não refletir sobre as peças nem procurar referências, vai continuar sendo leigo no assunto, tanto para reportar quanto para consumir.

Conselho não se dá, mas se eu pudesse meter o bedelho na vida de todas as blogueiras de moda, diria a elas e a mim mesma para desencanarem da moral que a credencial do SPFW vai trazer para o blog. Uma boa cobertura de moda vai muito além de presenciar desfiles e contar novidades. Moda não é só consumo e lifestyle, é cultura, economia e comportamento, e a minha modesta opinião é que se os blogs querem ter moral nesse meio, é hora de parar de focar no estritamente consumível e começar a contextualizar essa salada de informações que é a moda. Senão, textos sobre a autofagia blogueira vindo de quem é digno de muito respeito serão cada vez mais frequentes.